domingo, 18 de julho de 2010

Abaixo à generalização!


O trecho abaixo foi retirado de um artigo escrito pelo brilhante Umberto Eco para o jornal Clarín.
Vale a pena ler e refletir sobre o assunto:

"A CULTURA DE UM PAÍS NÃO É CÓPIA DE SUA POLÍTICA"!

Trechos do artigo de Umberto Eco no Clarín (07).

1. Na minha análise, eu observei duas coisas. Primeiro, que é necessário haver uma distinção entre as políticas governamentais de um país (incluindo sua constituição) e o fermento cultural, que está agindo dentro dele. Em segundo lugar, notei que responsabilizar implicitamente todos os cidadãos de um país pelas políticas de seu governo era uma forma de racismo. Não há diferença entre aqueles que discriminam todos os israelenses e os que sustentam que, uma vez que alguns palestinos cometem atos de terrorismo, devemos bombardear todos os palestinos.

2. Recentemente, em Turim, apareceu uma carta aberta publicada sob o patrocínio da filial italiana da “Campanha para o Boicote Acadêmico e Cultural de Israel”, uma rede de acadêmicos e organizações que trabalham para forçar uma mudança nas políticas israelenses mediante boicote a instituições israelenses. Porque esse boicote deve ser tão amplo? Devemos boicotar os filósofos chineses para que não assistam às conferências, porque Pequim censurou o Google? Se os físicos em Teerã ou Pyongyang estivessem trabalhando ativamente na fabricação de armas nucleares para os seus países, então seria compreensível que seus pares em Roma ou Oxford preferissem romper todas as relações institucionais com eles. Mas eu não vejo por que eles gostariam de romper relações com acadêmicos que trabalham em áreas distintas: todos perderíamos o diálogo sobre a história da arte coreana ou literatura antiga persa.

3. Meu amigo, o filósofo Gianni Vattino, está entre os partidários do último chamado para um boicote. Vejamos hipoteticamente, por diversão, se ele concordaria: suponhamos que em certos países estrangeiros circulem boatos de que o governo italiano de Berlusconi está tentando prejudicar o sagrado princípio democrático da separação de poderes para deslegitimar o sistema judicial, e que está fazendo isso com o apoio de um partido político racista e xenófobo. Agradaria a Vattino, que é um crítico do governo, que as universidades dos EUA protestassem contra a política italiana deixando de convidá-lo para ser professor visitante, ou que comissões especiais adotassem medidas para remover todas as suas publicações das bibliotecas dos Estados Unidos?

4. Ninguém aceitaria que todos os romenos são estupradores, todos os padres são pedófilos e todos os estudiosos de Heidegger, nazistas. Do mesmo modo, nenhuma posição política ou polêmica contra o governo deve condenar toda uma raça ou cultura. Este princípio é particularmente importante no mundo literário, onde a solidariedade global entre acadêmicos, artistas e escritores, sempre foi uma forma de defesa dos direitos humanos através de todas as fronteiras.

2 comentários:

  1. Olá,Leo!

    Grande Umberto Eco!

    De fato,vemos no Brasil também esse cerceamento ditatorial 'branco'.

    Uma dos exemplos é a extinção do JB e a caminhada para o fim do impresso.

    Bjs!

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  2. Os heideggerianos que eu conheço são, ou ao menos não dizem que não são, seu Eco. Generalizei?

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